Por Iara Duque em 13/10/2021
O 432 Park Avenue de Jennifer Lopez e os vícios construtivos na legislação brasileira

SE ATÉ JENNIFER LOPEZ E OS SUPER RICOS DE MANHATTAN (NOVA IORQUE) QUE ADQUIRIRAM UNIDADES NO 423 PARK AVENUE (O RESIDENCIAL MAIS ALTO DO OCIDENTE) SOFREM COM DEFEITOS CONSTRUTIVOS DE IMÓVEIS RECÉM ENTREGUES, É CADA VEZ MAIS IMPORTANTE QUE AS PESSOAS SE ATENTEM AOS DIREITOS E GARANTIAS RELACIONADOS À AQUISIÇÃO IMOBILIÁRIA, MESMO APÓS A ENTREGA DAS CHAVES.

Uma reportagem veiculada pelo The New York Times, republicada pela BBC Brasil[1], noticia que os moradores do 432 Park Avenue, empreendimento imobiliário de alto luxo e o prédio residencial mais alto do Ocidente, em Nova Iorque - que teria como adquirentes a cantora Jennifer Lopez e seu ex-noivo Alex Rodriguez e outros super ricos do mundo - estão processando incorporadoras imobiliárias responsáveis pelo projeto por não resolverem cerca de 1,5 mil supostos defeitos na construção.

Segundo a matéria (e os relatos dos moradores), o arranha-céu que foi inaugurado em 2015 na chamada Billionaire Row (avenida dos bilionários), em Manhattan, apresenta muitas falhas de construção e projeto, dentre elas problemas no funcionamento dos elevadores, inundações, vibrações inexplicáveis e ruído insuportável quando do uso do sistema de coleta de lixo da torre, por exemplo.

Todos esses problemas são descritos agora em processo judicial movido contra as incorporadoras (formadas pelo CIM Group e Macklowe Properties) como "problemas de segurança humana" no valor de US$ 125.000.000,00 (cento e vinte e cinco milhões de dólares), o que equivale a cerca de R$ 670.000.000,00 (seiscentos e setenta milhões de reais).

Já as incorporadoras responsáveis pelo projeto alegam que foram restringidas pelo condomínio de acessar o empreendimento para o conserto dos problemas e que os moradores teriam interpretado erroneamente suas obrigações como incorporadoras.

No Brasil, o problema é bastante recorrente e causa transtorno para adquirentes de empreendimentos imobiliários de todos os tipos - dos residenciais aos comerciais; dos populares aos de alto luxo – com problemas como os narrados pelos moradores do 432 Park Avenue e outros mais simples e corriqueiros como defeitos na impermeabilização, na aplicação de pisos e revestimentos, instalações hidráulicas e elétricas, entre tantos outros.

Mas, mesmo após a entrega das chaves, a legislação nacional assegura ao adquirente a resolução ou a indenização por esses defeitos, chamados vícios construtivos. Pelo Código Civil brasileiro, o autor do projeto, o proprietário-dono de obra, o incorporador e o construtor de empreendimento imobiliário respondem pela perfeição da obra, sendo tal responsabilidade legal, extracontratual e de ordem pública.

É dever legal de qualquer incorporadora garantir não só a solidez e a segurança dos empreendimentos por ela realizados, como também a própria funcionalidade do bem e a habitabilidade do imóvel.

Trata-se, portanto, de responsabilidade objetiva, na forma do art. 618 do Código Civil, que dispensa discussão de culpa, impondo que o incorporador, o construtor, o autor do projeto e o proprietário-dono de obra respondam pela inobservância das instruções e planos recebidos, pela desobediência das normas técnicas apropriadas para a obra, pela aplicação de material inadequado ou insuficiente e pela falta de cuidados usuais na elaboração do projeto ou na sua execução.

Essa responsabilidade se aplica não só aos vícios aparentes, notados quando do recebimento dos imóveis, mas também aos chamados vícios ocultos, “assim considerados aqueles que, existentes ao tempo da entrega da obra, só se apresentam com o transcurso do tempo, tornando a obra imprópria ao uso a que se destina ou diminuindo-lhe o valor (art. 441 do CC)”[2].

Além disso, eventuais prazos previstos nos Manuais do Proprietário costumeiramente entregues pela incorporadora aos adquirentes não afastam os prazos legais de responsabilidade civil pela adequação da construção. Pelo contrário, o prazo legal só pode ser ampliado pelo prazo do Manual do Proprietário (jamais reduzido).

Assim, o prazo para reclamação dos vícios encontrados é o prazo de garantia de 5 (cinco) anos, na forma do art. 618 do Código Civil, contados da efetiva entrega das chaves, e para requerer justa indenização o prazo prescricional de 10 (dez) anos a partir do conhecimento do vício, na forma do art. 205 do mesmo diploma, conforme entendimento já consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça:

“CIVIL. CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. IRESIGNAÇÃO SUJEITA ÀS NORAMS DO NCPC. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEFEITOS CONSTRUTIVOS. DECADÊNCIA AFASTADA. GARANTIA DA EDIFICAÇÃO DE CINCO ANOS. ART. 618 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRAZO PRESCRICIONAL DE 10 ANOS PARA RECLAMAÇÃO EM JUÍZO. DANOS PELA MÁ EXECUÇÃO DO SERVIÇO ABRANGIDO PELA GARANTIA LEGAL. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. DENUNCIAÇÃO À LIDE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA (CEF). DESNECESSIDADE. POSSIBILIDADE DE AÇÃO REGRESSIVA. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. REFORMA DO ENTENDIMETNO. SÚMULA Nº 7 DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.”[3]

Neste mesmo sentido, ensina a doutrina:

“A natureza jurídica do prazo de cinco anos previsto no art. 618 do CC, que estabelece o período de responsabilidade do empreiteiro-construtor perante o dono da obra pela solidez e segurança de edifícios e outras construções consideráveis, em nosso entender e no entendimento da doutrina majoritária, não é prescricional ou decadencial, mas sim de garantia da construção, funcionando como uma presunção relativa de culpa do obreiro, de maneira que, aparecendo o defeito no prazo prescrito em lei, o prejudicado poderá articular sua pretensão indenizatória mesmo após o seu transcurso.

Considerado como legal ou extracontratual, não contratual, o prazo de garantia pelos vícios de construção e concepção, este não admite interrupção ou suspensão, podendo, apenas, ser ampliado contratualmente, caso assim pactuem as partes, ressaltando-se que, se contratual fosse a responsabilidade advinda do dispositivo legal, não poderíamos estendê-la além da relação jurídica formada entre o dono da obra e o empreiteiro.”[4]

Portanto, além de reclamar o defeito no prazo de legal de 5 (cinco) anos – que não poderia, em hipótese alguma, ser restringido pelo Manual do Proprietário, mas tão somente ampliado –, é possível ao adquirente propor ação indenizatória em face do responsável pela obra, demanda que se submete a prazo prescricional, e não decadencial, de 10 (dez) anos.

Algumas incorporadoras e agentes de financiamento no Brasil, inclusive, dispõem de ferramentas de solução de conflitos digitais - ODR (online dispute resolution) - para facilitar essa reclamação extrajudicial dos vícios construtivos visando a resolução dos defeitos e têm produzido bons resultados para mitigação dos transtornos causados pelo aparecimento de problemas em imóveis novos e recentemente adquiridos.

Todavia, caso não seja possível uma resolução extrajudicial e amigável do problema, recomenda-se a assessoria jurídica de um profissional e, caso necessário, a propositura de ação judicial para efetivação dos consertos ou indenização dos danos causados.


 

 

[1] Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58701554> Acessado em 12/10/2021.

[2] CAMBLER, Everaldo Augusto. Responsabilidade civil na incorporação imobiliária. [livro eletrônico]. 1 Edição. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2014.

[3] STJ - REsp: 1748540 SP 2018/0147151-0, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Publicação: DJ 12/04/2021

[4] CAMBLER, Everaldo Augusto. Responsabilidade civil na incorporação imobiliária. [livro eletrônico]. 1 Edição. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2014.

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