Por Iara Duque Soares em 08/04/2020
ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS EM LOCAÇÃO E A CRISE CAUSADA PELA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS (COVID-19) NO BRASIL

OS IMPACTOS DA CRISE CAUSADA PELA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS (COVID-19) NO BRASIL NO SETOR DE ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS EM LOCAÇÃO

 

As diretrizes de controle da pandemia da Covid-19 lançadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que vêm sendo seguidas pelo Ministério da Saúde e por grande parte das autoridades estaduais e locais no Brasil, suscitam consequências que vão além da dimensão sanitária.

Com grande parte da população com restrição de circulação, pessoas físicas e jurídicas vêm sentindo o impacto (imediato ou anunciado) de uma crise econômica que repercute de forma intensa no mercado imobiliário, especialmente no que se refere ao setor de locação comercial e residencial de imóveis.

Nesse cenário, as administradoras imobiliárias podem desenvolver um papel importante na prevenção e resolução de possíveis litígios, bem como na redução de inadimplência por parte de locatários de imóveis, minimizando os impactos da crise para seus clientes e parceiros.

Essa atuação, no entanto, não se restringe à simples pré-disposição à renegociação de valores de aluguéis e condições contratuais. As empresas e os profissionais que exercem a administração de imóveis e locações e pretendem consolidar a prestação segura e eficiente de seus serviços precisam, mais do que nunca, estar atentos às dimensões jurídicas (legais e judiciais) envolvidas nas negociações e nos contratos de locação em si.

Embora a Lei de Locações (Lei nº 8.245/91) não preveja desdobramentos contratuais para hipóteses de fatos imprevisíveis, provocados por força maior, como é o caso da atual pandemia da Covid-19, o ordenamento jurídico brasileiro, pautado na perspectiva de constitucionalização das relações jurídicas privadas, na valorização da função social e da boa fé nos contratos, abre diversas possibilidades para a reconfiguração contratual em situações como esta, sem deixar de lado, em nenhum momento, o direito dos proprietários locadores nos negócios imobiliários.

Neste sentido, podemos destacar o art. 478 do Código Civil, que possibilita a resolução (e a revisão) de contratos por onerosidade excessiva, ou seja, quando “a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”.

A pandemia e a restrição das atividades econômicas durante o período de isolamento para controle do avanço da doença, evidentemente, podem ser considerados acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. No entanto, a demonstração da excessiva onerosidade de cada prestação ou contrato deve ser analisada com cautela, pois, em qualquer caso, não autoriza a inadimplência de parte do contrato e nem a isenção automática de eventuais penalidades do rompimento antecipado de determinadas relações jurídicas.

Nos casos em que o locatário de imóvel comercial ou residencial tenha sofrido os efeitos da crise econômica decorrente da pandemia da Covid-19 é aconselhável a flexibilização de cláusulas (como datas de pagamento, incidência de juros, multas, etc), assim como revisão de valores de aluguéis e encargos. No entanto, tais atos devem ser precedidos de uma avaliação jurídica das possibilidades e seguidos de formalização escrita (preferencialmente por aditamento ao contrato) de todas as condições, dimensões e prazos contratuais impactados.

Vale lembrar que a proposta legislativa, ainda em discussão e aprovada apenas pelo Senado Federal no último dia 03 de abril, a PL nº 1.179/2020, não autoriza, de forma alguma, o inadimplemento contratual e nem se configura um impeditivo à já mencionada flexibilização de condições e contratos de locação durante a epidemia do coronavírus no Brasil. Muito pelo contrário.

O Projeto, de fato, protege os locatários, uma vez que proíbe decisões de despejo liminares (aqueles previstos no art. 59 da Lei de Locações - Lei nº 8.245/91 – para casos específicos de rompimento contratual e, em caso de inadimplemento de contratos não garantidos por caução, fiança, seguro ou fundo de investimentos, e que independem de audiência ou oitiva da parte contrária) até 30 de outubro para ações protocoladas em todo território nacional a partir de 20 de março, quando do decreto do estado de calamidade.

No entanto, o projeto não impede decisões definitivas (sentenças) de despejo, tampouco a efetivação de outras medidas (inclusive constritivas) de cobrança de débitos locatícios. Vê-se, assim, que o objetivo do legislador é garantir a moradia àqueles que vivem em imóveis locados durante a epidemia e a crise imediata dela decorrente, mas sem perder de vista o direito ao efetivo recebimento de aluguéis por parte de proprietários – que, muitas vezes, também dependem destes pagamentos para sobreviver. Além disso, para virar lei, o projeto ainda precisa ser aprovado pela Câmara dos Deputados.

Em todas as hipóteses, o que se reafirma é a necessidade de analisar caso a caso as possibilidades de revisão e resolução contratual que se apresentem às administradoras imobiliárias em decorrência da epidemia da doença causada pelo novo coronavírus (Covid-19) juntamente com a equipe ou profissional de assessoria jurídica, de forma a incorporar a cada negociação as perspectivas legais e judiciais de cada uma das alternativas à continuidade ou encerramento das relações locatícias, traçando-se estratégias personalizadas aos objetivos formulados, sejam eles de impedir o inadimplemento massivo de contratos, de minimizar os prejuízos de parceiros e clientes ou de evitar a judicialização desnecessária e inefetiva de determinados litígios locatícios.

 

(Foto: Diorgenes Pandini, Diário Catarinense)

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